quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Os projetos de lei “SOPA” e “PIPA” e o que nos ensina a Escola de Frankfurt sobre a Indústria Cultural



Nos Estados Unidos da América (“a terra da liberdade”) deputados e senadores debatem dois projetos de lei - “SOPA” (Stop Online Piracy Act, ou Lei para Parar com a Pirataria Online) e “PIPA” (Protect Intellectual Property Act, ou Lei para Proteger a Propriedade Intelectual) - que têm o mesmo objetivo: combater, especialmente, a proliferação de cópias piratas de filmes online e outras formas de pirataria de conteúdo midiático em servidores internacionais, propondo, inclusive, penas de até cinco anos de cadeia para pessoas condenadas por compartilhar material pirateado dez ou mais vezes ao longo de seis meses. 

As propostas também preveem punições para sites acusados de "permitir ou facilitar" a pirataria. Estes podem ser fechados e banidos de provedores de internet, sistemas de pagamento e anunciantes, em nível internacional. Em tese, um site pode ser fechado apenas por manter laços com algum outro site suspeito de pirataria.
Além disso, o “SOPA”, se aprovado, também exigiria que ferramentas de busca removessem os sites acusados de pirataria de seus resultados.
Hoje, 19 de janeiro de 2012, o site “Megaupload”, um dos maiores sites de compartilhamento de arquivos online, foi fechado pelo Governo dos EUA e seu fundador foi preso (ele e vários de seus executivos foram acusados formalmente de violar leis antipirataria nos Estados Unidos).
Os projetos “SOPA” e “PIPA” e o encerramento do site “Megaupload” me fizeram lembrar os nobres e sempre pertinentes ensinamentos dos eminentes pensadores da Escola de Frankfurt e o conceito base que eles criaram para os estudos culturais, a “Indústria Cultural”.
Em especial, lembrei-me de Walter Benjamin e Theodor Adorno. Mais à frente explico por que motivo me lembrei especialmente deles dois.

A Escola de Frankfurt e a Indústria Cultural

Escola de Frankfurt foi o nome dado ao grupo de pensadores, filósofos e cientistas sociais alemães que se dedicaram aos estudos de variados temas que compreendiam desde os processos civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica (ou tecnologia) até a política, a arte, a música, a literatura e o cotidiano.


Dentro desses temas, chamaram à atenção para a extrema importância da mídia (meios de comunicação) como fomentador da cultura de mercado e formadora do modo de vida contemporâneo.

Dentre os grandes pensadores desta Escola, podemos citar Theodor Adorno, Max Horkheimer, Hebert Marcuse, Erich Fromm e Walter Benjamin. Destacamos os dois primeiros, Adorno e Horkheimer, criadores de um conceito base para os estudos culturais: a indústria cultural.

Adorno e Horkheimer no livro Dialética do Iluminismo apontaram um novo conceito com relação à cultura e a massificação da cultura. Na visão deles a “cultura para a massa” não passava de uma simples industrialização da cultura, ou seja, haveria o uso da racionalidade técnica (a tecnologia) a serviço da dominação ideológica. Apontavam, assim, o conceito de Indústria Cultural, que seria, portanto, um mecanismo de massificação da opinião, dos gostos e da necessidade de consumo. Na Indústria Cultural tudo passa a ser um produto de mercado (inclusive o ser humano [reificação, ou a coisificação do homem]), a verdadeira preocupação não é transmitir informações ou conhecimento, mas sim vender, cada vez mais, produtos e ideias homogeneizadas, a fim de se obter o lucro acima de (quase) tudo.

A cultura sob as regras da Indústria Cultural passa a ser apenas mercadoria, um produto a ser vendido e explorado comercialmente. A arte, a música, a literatura se transformam em meros produtos com o objetivo de serem difundidos comercialmente e vendidos como se fossem um pacote de feijão em uma prateleira de supermercado. Perde-se o valor e a essência da criação cultural, isto não é o mais importante. O que realmente importa é enlatar, rotular e vender o "produto" em um grande centro de compras.

Dentro da Indústria Cultural, para que o mercado atinja o seu principal objetivo (o lucro), existe uma peça fundamental a ser explorada: a alienação do povo.

É da alienação que se aproveita a Industria Cultural para massificar os seus produtos. Ao massificar e homogeneizar gostos e necessidades de consumo, o mercado aprofunda a alienação, ao alimentar-se e alimentá-la em uma troca bilateral e mútua. A passividade e o conformismo são frutos desta alienação.

Como diz o professor Francisco Rüdiger, os pensadores frankfurtianos criticavam a cultura de massa não porque ela é popular, mas sim porque esta cultura mantém as marcas da exploração e da dominação das massas, fato que ocorre desde as origens da história.

E, como também diz o citado professor, os frankfurtianos não criticavam a tecnologia nem os avanços tecnológicos, mas sim o seu emprego, ou seja, os objetivos por trás da utilização das novas tecnologias. Podemos afirmar, então, que a Indústria Cultural é opressora, determina até onde vai o livre arbítrio do indivíduo ao submetê-lo à dominação ideológica que coloca frente a frente: classes dominantes > classes populares. A cultura de massa é marca da imposição e exploração da dominação de classes.

Música/Gravadoras e Cinema/Estúdios na Indústria Cultural

Walter Benjamin apontou, em A Obra de Arte na Era de Suas Técnicas de Reprodução, para a perda da aura da obra de arte. Para Benjamin as tecnologias que permitiram a fácil reprodutibilidade das obras de arte fizeram com que estas perdessem sua aura de serem exclusivas e únicas.

A música ou o cinema, que já no século XX, tornaram-se mais mercadorias a serem reproduzidas e vendidas em larga escala, também perderam as suas auras e, de certa forma, as suas essências.

"Na medida em que multiplicam a reprodução, substituem a existência única da obra por uma existência serial", afirmou Benjamin na supracitada obra. Quem nunca reparou que o CDs de música ou os DVDs (de música ou filme) contêm um código de série? Ao se comprar um CD ou DVD a pessoa está adquirindo um produto em série. E o código de série (que pode conter letras e números) serve de controle para o dono da loja e, especialmente, para a gravadora ou o estúdio e seus distribuidores, que lançaram o CD ou o DVD no "mercado", que têm o grande cuidado em controlar as vendas e saber os números do "mercado ". Em 1935 Walter Benjamin apontava para esta realidade, a reprodução em série das obras de arte e a sua relação com a indústria.

Benjamin acreditava no poder de democratização da cultura e do conhecimento, ele via como positivo o controle da cultura por parte das massas. Adorno, por sua vez, não negava o potencial democrático da tecnologia empregada a serviço da cultura, porém sua análise crítica sempre apontou para o indevido uso das técnicas, que rumavam no sentido inverso àquele que Benjamin acreditava ser possível.

Para Adorno não haveria a democratização da cultura porque simplesmente essa democratização não servia aos interesses dos capitalistas (aí inseridas as corporações do entretenimento, nos quais as gravadoras e os grandes estúdios). A Indústria Cultural como meio de controle das massas não permitiria que as massas assumissem o controle da cultura, idéia na qual acreditava Benjamin.

As gravadoras e os grandes estúdios são as empresas que controlam o sistema do mercado da música e do cinema. São as gravadoras e os estúdios, entidades privadas e com o objetivo de lucro, que se utilizam e se beneficiam do poder da reprodução em série e da difusão massiva da música e do cinema. Como uma empresa, a gravadora e os estúdios fazem parte das corporações do entretenimento, que têm como objetivo tirar proveito comercial do "seu produto".

O artista se torna dependente das corporações de entretenimento para poder mostrar a sua obra, o seu trabalho; a população (que é o público alvo, o indivíduo massa) se torna refém e alvo das campanhas publicitárias e da difusão em massa daquilo que interessa a essas corporações, o que, em uma perspectiva de mercado de larga escala, quase sempre não é sinônimo de qualidade artística (musical ou cinematográfica, para ficar em dois exemplos).

As corporações de entretenimento, geralmente, reúnem em si diversas ramificações da “indústria do entretenimento e da informação”, indo dos estúdios de cinema, passando pelas gravadoras musicais, chegando aos jornais e canais de televisão (ou mesmos empresas de TV por assinatura).

Vou citar como exemplo de grande corporação a News Corporation, do australiano Rupert Murdoch (já que ele é um dos grandes defensores dos projetos “SOPA” e “PIPA”). A News Corporation é proprietária de: editoras de livros; jornais e revistas em diversos países (Austrália, Inglaterra [lembram-se do tablóide “News of the World”?], EUA [dentre vários, The Wall Street Journal e The New York Post], Fiji, Papua Nova Guiné); rádios (Fox Radio, ex.); acionista de clubes/franquias de rugby e futebol americano; estúdios (dentre vários, 20th Century Fox); redes de televisão, canais de televisão (Fox, Fox Sports, Fox Life, FX, National Geographic e muitos, mas mesmo muitos, outros); etc..

A publicidade é uma das formas através das quais as corporações de entretenimento exercem a manipulação da opinião e dos gostos, a massificação dos produtos.

A publicidade nada mais é que o instrumento através do qual se atinge o público alvo, o consumidor; é através do seu poder de persuasão que se estabelece a massificação.

A persuasão é a principal arma para se atingir o conformismo e se diluir a consciência. O Rádio, a TV e a imprensa escrita com a divulgação e a veiculação de um determinado "produto" também são preponderantes no processo de manipulação da opinião e na indução ao consumo.

Internet e download: democratização?

Como já foi mencionado, Walter Benjamin acreditava no potencial da democratização da cultura e do conhecimento, desde que o controle estivesse sob o comando das massas. Adorno se opunha a esta idéia, não por negar o potencial da tecnologia em democratizar a cultura, mas por não acreditar que as empresas envolvidas na indústria cultural pemitissem esta democratização.

E o que seriam as tecnologias como mp3, flac, rmvb, avi, mpeg, etc., e o compartilhamento de músicas, filmes, séries de televisão, dentre outros, através da internet?

É inquestionável o poder revolucionário destes formatos e do compartilhamento através da internet.

Certamente, Walter Benjamin ficaria satisfeito ao ver o uso desta tecnologia a serviço do controle das obras culturais por parte das massas.

Não há nada mais democrático do que dividir e partilhar um filme, uma série de TV, uma música, etc., com milhões de pessoas através da grande rede mundial de computadores.

Mas o sistemático combate (como se vê em projetos como "SOPA" ou "PIPA" e no fechamento do Megaupload) contra os sites e usuários que dividem e partilham filmes, séries, músicas, etc., tentando, inclusive, criminalizar essa divisão e partilha, demonstra claramente como as grandes empresas não dão descanso às massas e não querem perder o controle da cultura.

Benjamin estava certo ao acreditar na democratização da cultura através do controle das massas sobre a mesma. Porém Adorno em seu ácido realismo estava ainda mais certo: enquanto houver esta relação de poder e este sistema de mercado, as empresas jamais permitirão que as massas se libertem das amarras do controle da indústria cultural.

3 comentários:

Anônimo disse...

Lindinho, parabéns pelo excelente texto! Como sempre,bem fundamentado e deveras esclarecedor. Parabéns!

Emanuel disse...

Obrigado, lindinha anônima. =)

Anônimo disse...

Os seus textos são bons, entretanto, gostaria que você colocasse no final de seu texto as suas referencias bibliográficas, pois fazem falta na hora de fazer trabalhos academicos.