quarta-feira, 14 de julho de 2010

14 de julho - 221 anos da Queda da Bastilha


Há 221 anos o povo parisiense invadiu as ruas da capital francesa e tomou um dos maiores símbolos do absolutismo francês, a Bastilha.

A Bastilha era uma fortaleza medieval utilizada como prisão, local onde o rei trancafiava seus inimigos políticos. Por ser o local onde ficavam presos os inimigos do absolutismo francês, a Bastilha se tornou símbolo deste Regime.

No dia 14 de julho de 1789 o povo apoderou-se de cerca de 30 mil fuzis e alguns canhões e rumou em direção à Bastilha. Em poucas horas a Bastilha foi tomada pelos populares. Ao Rei restou duas alternativas: render-se ante a força das massas ou iniciar uma guerra nas ruas de Paris. Optou pela capitulação.

Este evento marcou a Revolução Francesa e se transformou em um dos maiores símbolos das revoluções burguesas.

O imortal Waldimir Maia Leite (RIP), em Opinião no Diario de Pernambuco, escreveu em julho do ano passado: “O 14 de Julho não é data construtiva e emocional apenas da França e dos franceses. É data mundial de grande efeméride. (...)14 de Julho - uma data não só dos franceses, mas do mundo todo...”.

Sem dúvida a Revolução Francesa significa muito não apenas para os franceses, como para todos os povos do mundo. Ela foi a revolução de maior impacto e repercussão. Além disso, ela foi uma verdadeira “revolução social de massa” (Hobsbawm). Representou um exemplo que inspirou outros povos, como os latino-americanos que lutaram por sua independência a partir de 1808.

A Revolução Francesa não foi fruto de um partido ou apenas um movimento organizado, ela refletiu o consenso de idéias da burguesia, o que permitiu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva. Estas idéias, formuladas pelos filósofos, eram as do liberalismo clássico.

Um dos legados da Revolução Francesa que se tornou um marco para todos os países, foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Os direitos fundamentais do homem têm sua consagração normativa com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 26/08/1789. Eric Hobsbawm a definiu como “um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres”, ou seja, a garantia da liberdade do indivíduo perante o Estado, a limitação e o controle do poder do Estado.

Entretanto, embora reconhecendo o fundamental valor da Revolução Francesa e, principalmente, o marco significativo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, é impossível não analisar esta passagem da história da humanidade com um olhar um pouco mais crítico.

É indiscutível que, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fundou-se uma nova perspectiva, base do Estado moderno, apoiada em uma relação diferente entre o Estado e o cidadão, na qual passou a haver um limite aos abusos de poder do Estado, através de novas formas de controle do poder estatal.

Contudo, chegamos a algumas indagações:

A quem serviu esta nova perspectiva? A quais interesses respondia essa nova base de Estado, essa diferente relação entre o Estado e o cidadão? Quem se beneficiou desta “radical inversão de perspectiva” (Bobbio)?

Foi o povo, a massa social que tomou a Bastilha, o grande beneficiado desta mudança histórica?

O povo tomou a bastilha. A burguesia chegou ao poder.

Hobsbawm definiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como “um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres”, porém, o próprio autor complementa a sua afirmação e diz “mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária”. Ou seja, pregar a liberdade, não significava, obrigatoriamente, a defesa da democracia e de uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Os burgueses, ou melhor, os liberais clássicos, não estavam preocupados com a democracia ou com uma sociedade igualitária. O que os motivava era a fundação de um Estado que permitisse a sua ascensão e afirmação social.

Vítimas do Estado absolutista, os burgueses tinham grande preocupação com os limites do poder estatal. Necessitavam, por conseguinte, do estabelecimento de uma nova relação com o Estado.

O burguês liberal clássico era muito mais um constitucionalista do que um democrata. Para os burgueses, era mais interessante uma monarquia constitucional do que uma república democrática. É o que afirma o historiador Eric Hobsbawm:

"[...] O burguês liberal clássico de 1789 (e o liberal de 1789-1848) não era um democrata, mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários".

Podemos concluir, portanto, que a burguesia, na persecução da liberdade esteve mais preocupada com a sua liberdade perante o Estado e sua conseqüente ascensão e afirmação social do que propriamente com a democracia e com o povo.

Por fim, reiterando a importância e o significado histórico do 14 de julho de 1789, a ideia que pretendemos passar com esta “visão crítica” é que não podemos jamais confundir “liberalismo” com DEMOCRACIA, afinal um Estado Liberal de Direito nem sempre é sinônimo de Estado Democrático de Direito e a história mostra-nos isso com clareza.

sábado, 10 de julho de 2010

PARA O ADIANTE


Ontem foi a missa de 7º dia do meu avõ.

Posto hoje mais um de seus textos.

Publicado originalmente no livro "Terra Molhada", 1984. Livro que conta com prefácio de Gilberto Freyre.

PARA O ADIANTE

Waldimir Maia Leite (24/12/1925 - 30/06/2010)

Cadeira nº 38 da Academia Pernambucana de Letras

Empurrando sempre para o adiante. Mas tudo voltando, como naquele canto terceiro (O Impossível da Alegoria) do belo poema de Marcus Accioly: “Sísifo”.

Levando para a frente os aconteceres: sempre para o nublado adiante. Virá depois a lembrança do Eclesiastes: “Todas as coisas são difíceis: o homem não as pode explicar com palavras”.

Não ficar: eis uma verdade que dói tão intensamente, e fere, quanto um incontornável gesto de despedida. Impermanência no agora: a necessidade, rubra de tão forte, de ir. Para o adiante que não se conhece, escondido sob a túnica do não ser.

Por que permanecer, se, logo adiante, nascerão os lábios da dúvida? Estes bocados do nada, coisa alguma tão vazia como um corpo de repente sem alma, apenas corpo, estrutura humana e animal.

Os passos ensaiados, adágio ma non tanto, e dolce, como um canto de Bach. Vão os passos para o adiante (a lembrança de um dia morrer, de forma súbita, sem ter conseguido a reconciliação com o que antigamente amou).

(A tarde pondo as mãos nos ombros da noite, como quem, angustiadamente, diz assim: “preciso tanto do teu apoio, mas tanto mesmo que o cansaço me cobre os olhos de inevitável tristeza”).

Empurrando o que não sabe para o adiante. Porém ele teimosamente retornando. Não fica; é prolongamento de ser daqui a pouco. Asperezas de choques de vida, os olhos úmidos de lágrimas, os claros cabelos em desalinho, o desespero de mãos que procuram outras, náufragos ambos na tempestade do existencial.

(Por que esta parte, isolada, separada da outra? Quem operou o brusco corte, com bisturi de fogo?).

Para o adiante, extensão de querer ser, constituir, permanecer. Em vão: de desespero é feito o instante tão rápido que mais parece uma estrela cadente que comete suicídio luminoso para espanto do cosmo.

(Estes dedos, cinco na mão direita, mais cinco na esquerda, duas flores expectantes que se abrem com as pétalas rosas das unhas).

Para o adiante, o inevitável prosseguir, pleno de incertezas, comboio correndo sem maquinista, amargo de ser som afastado do outro lado que a vida, mutuamente, nega. Não ficar, ir até o pedaço maior que compõe o que está por trás das coisas, iceberg das inconstâncias. (Quem duvida que o todo é maior do que uma de suas partes?).

Para o adiante, até um dia a surpresa do explosivo ato final de encher de espanto os olhos rotineiros do mundo.

Para a frente todos os aconteceres: sempre para o adiante. Não ficar, desesperadamente sair com quem se despede para nunca mais.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O INDIZÍVEL ENDEREÇO


Agora publico aqui um texto do meu avô, um de meus preferidos.

Publicado originalmente no livro "Terra Molhada", 1984. Livro que conta com prefácio de Gilberto Freyre.


O INDIZÍVEL ENDEREÇO

Waldimir Maia Leite (24/12/1925 - 30/06/2010)

Cadeira nº 38 da Academia Pernambucana de Letras

Lá embaixo, o inevitável das sombras, um bocado feito de inconsistentes nadas. Para o além das coisas, a silhueta do que não é, o imperfeito de não aconte(ser).

Vai assim o homem, sem prefácio, obra que jamais será entendida, os capítulos embaralhados, o final indeterminado de ser melancolicamente fim, término, encerrar.

Lembra, então, o homem o quadro de Rembrandt, que viu, certa tarde, no Museu Britânico, em Londres: “As três árvores”. Tela onde predomina mais o escuro. No homem (apenas uma árvore, não as três marcadas pelo pincel de Rembrandt) também prevalecem os escuros.

Vai indo, lentamente como um fechar de pálpebras, prelúdio de adorme(ser). Não sabe até onde vai. Não procurem o homem, ele ignora os próprios passos. Está dividido, uma dor (entretanto amiga e necessária) o acompanha, dia e noite.

O homem junta pedaços do que foi. Para reconstruir-se. Uns sobre outros, trechos de ter sido ligados pela argamassa do Tempo. Põe os olhos numa bandeja de porcelana, como duas uvas. E espera servi-las no festim dos deuses de barro.

A outra parte, distante e, entretanto, tão próxima, mergulhada dentro de águas circunstanciais. Os pés, desnudos, caminham (para onde?). Não sabe. Perdeu as coordenadas. Do homem nada resta: nem o silencia, escondido atrás de uma porta.

Vai indo o homem, cercado dos inevitáveis: isto e aquilo, este e esse, essa e aquela. A multidão de anônimos, seres que sofrem, em surdina, sem direito a protesto, a um grito que possa equivaler a desabafo.

Este instante, crescendo em turbilhão dentro do mar salgado, onde entre vagas flutua o homem. E os instantes anteriores, imprecisos, nostálgicos de terem sido. Lembranças. Apenas lembranças, nada de agoras, tépidos agoras como um ato de tomar uma mão na outra, em ato de construída ternura.

Para o depois, isto: o ser futuro, nascer. Quanto vale a eternidade? O ser eterno e contínuo talvez canse, ser sempre é uma forma de angústia de não acabar.

Para o antes, esta nua conclusão: ter sido e perder a forma primitiva, não ter podido evoluir. Ficar preso a amarras circunstanciais, sem libertar-se do acontecido.

O homem fica debruçado diante dos inevitáveis. Como quem está à janela, entretanto fechada. Olha para o adiante, cheio de incertezas, amargas incompletudes, sabor de fel.

Lentamente, como o fechar de pálpebras, ele interpreta os indícios da noite que se aproxima. Quer o segredo da semente que faz a gestação noturnal. Noite curta, como as de verão, emergente de acabar de ser tarde.

Vai assim o homem, sem prefácio, livro aberto em página onde pulsam as últimas lembranças gravadas em negrito, fortes como permanente saudade, intemporais. O livro marcado por uma folha de jasmim, página nº 112, como um indizível endereço para onde foi remetida mensagem de procura, de saber onde estaria, neste exato momento, o ser que se foi.

Waldimir Maia Leite - Vovô Vadô


Na última quarta-feira, dia 30 de junho, a literatura e o jornalismo pernambucano perderam um grande nome - Waldimir Maia Leite.

Seu corpo padeceu após meses de luta contra um câncer da pelve e, desta forma, ele deu seu último passo "para o adiante", saindo "como quem se despede para nunca mais".

Waldimir Maia Leite era jornalista e escritor. Autor de 4 livros ("Ofício da Busca"; "Terra Molhada"; "O Viajante das Palavras"; "Meio Século na 'Pracinha do Diario'") e um livreto ("Quatro Poemas de Outono"), trabalhou por mais de 50 anos no Diario de Pernambuco. Ocupava a cadeira nº 38 na Academia Pernambucana de Letras.

Waldimir Maia Leite, para mim, era, simplesmente, Vovô Vadô. Meu avô paterno.

Neste seu último ano de vida passamos a ter muito mais contato do que tive em meus primeiros 26 anos de existência.

Era eu quem digitava os seus textos que eram publicados quinzenalmente no Diario de Pernambuco. O último texto foi publicado no dia 22 de março de 2010, quando o tratamento contra o câncer ainda não havia debilitado o seu corpo ao ponto de lhe retirar a enorme capacidade de nos emocionar com suas palavras.

Meu avô completaria 85 anos em dezembro. Ele me dizia que pretendia escrever mais um livro, para celebrar este marco em sua vida. Pediu-me que o ajudasse a escrever o seu quinto livro. Disse-me que o livro seria dedicado a mim, seu neto que tanto o ajudava.

Infelizmente, não foi possível completar estes "passos ensaiados", pois a doença o levou "de forma súbita, sem ter conseguido a reconciliação com o que sempre amou", afinal, "o ser eterno e contínuo talvez canse, ser sempre é uma forma de angústia de não acabar".

Tenho uma certeza, meu avô está "por aí, na orla marítima da praia de Candeias. Perambulando como alguém que procura aquilo que (entretanto) não conseguiu perder".

E, estranhamente, eu o ouço, "como se a sua voz fosse refletida por uma montanha distante", nesses seus "passos em direção ao que há de vir" e "vai assim o homem ... o final indeterminado de ser melancolicamente fim".

Descanse em paz, Vovô Vadô.