quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Rosa Púrpura do Cairo - Análise crítica à indústria cultural



Em “A Rosa Púrpura do Cairo” Woody Allen busca discutir o cinema e a sua relação com o espectador; abordando o modo como o cinema, ao reproduzir (de forma fantasiosa) a realidade, ilude o espectador e leva ao seu público o entretenimento através da “magia” e da fantasia.

Woody Allen levanta, em certas passagens do filme, a dicotomia: realidade x ficção. O cinema é a representação do real; o cinema recorre à ficção para criar um mundo “novo”, que representa, de seu modo, a realidade; porém, o cinema não é a realidade.

Além disso, Woody Allen trabalha magistralmente o tema da indústria cultural. O cinema, como manifestação artística que é, encontra-se inserido dentro da grande indústria do entretenimento e, portanto, é parte da indústria cultural.

Nota-se o tom crítico do autor em relação à indústria cultural em diversas cenas do filme. Por exemplo, quando os personagens do filme, “presos” na tela, discutem quem tem o papel mais importante, sendo que a perspectiva, na discussão, gira em torno do consumo, na medida em que os personagens medem suas importâncias sob o ponto de vista meramente comercial – quem venderia mais ingressos, ou seja, quem daria mais lucro à indústria cultural.

Há outra cena em que a crítica de Allen à engrenagem da indústria cultural fica bastante evidente. É quando os responsáveis pelo filme, representando os proprietários dos estúdios em seus anseios, afirmam que a opinião dos jornalistas seria favorável a eles e deixam claro que compraram esse posicionamento amistoso dos jornalistas, pois dizem que custou caro, mas que conseguiram ter os jornalistas ao seu lado.

Nesta cena, fica subentendido que os jornalistas não fariam críticas contundentes à situação e, portanto, não haveria grande contestação ou cobrança em relação ao fato inusitado da fuga de um dos personagens, que estava “foragido” na vida real. A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt define esta situação como homogeneização da opinião pública, enquanto Noam Chomsky, no mesmo sentido, fala em “consentimento manufaturado. Woody Allen, portanto, na cena em questão, demonstra claramente como é possível se criar um consentimento em torno de um tema, possibilitando que a opinião generalizada seja homogênea, igual e favorável aos interesses daqueles que detêm o poder econômico e influência na esfera da comunicação social.

Tom, o “foragido”, é um personagem que representa alguém que é aventureiro, explorador, pesquisador (é um arqueólogo), mas, ao mesmo tempo, é também uma figura romântica, poética e, por isso, bastante encantadora.

Viver no mundo real, para Tom, seria inviável e insustentável. Tom é um personagem e, portanto, é condicionado em suas ações pela pré-definição de seu personagem. Ele age, em determinadas situações, de forma condicionada, quase que automatizada. É como se fosse um animal agindo por instinto, ou seja, sem a capacidade racional que diferencia os homens – poder escolher, agir por conta própria, tomar suas próprias decisões.

Inclusive, há uma cena em que um dos personagens, “preso” na tela, diz a Cecília que ela tem que se decidir – entre Tom e Gil – e afirma que poder escolher é uma das grandes virtudes do Homem. Isto é racionalidade. Isto é que nos permite viver em sociedade. E esta era a grande lacuna de Tom, um personagem, condicionado às características definidoras e delimitadoras do seu personagem. Por isso, Tom não viveria no mundo real.

Cecília, por seu turno, mulher que sofre maus-tratos do seu marido, suportando agressões físicas e psicológicas (devastadoras para qualquer pessoa). Trabalhadora, sustenta a casa, em período de grande depressão econômica,  com o suor de seu esforço.

Para Cecília, ir ao cinema, e entrar no mundo de magia e fantasia criado pelos filmes, era uma forma de fugir à (sua dura) realidade, uma maneira, levada pela ilusão, de se sentir feliz e confortada.

Gil, o ator que interpreta Tom no filme, prometeu a Cecília que a levaria com ele para Hollywood. Contudo, Gil não cumpriu a sua promessa, deixando Cecília em Nova Jérsei, sem, sequer, despedir-se dela.

No breve relacionamento entre Cecília e Gil, o ator interpretou um personagem na vida real, foi um “ator social” contracenando um determinando papel em uma situação específica de sua convivência social. Gil pretendia que Tom, seu personagem, retornasse para a tela e, a fim de lograr êxito em seu intuito, usou Cecília como meio de convencimento de Tom.

Cecília, ao se dar conta de mais uma desilusão em sua vida, abandonada por Gil, o escolhido por ela, volta à sala de cinema e o filme termina com Cecília assistindo a mais uma obra cinematográfica.

Voltar ao cinema, para Cecília, é retornar ao seu ponto de escape da realidade, é voltar ao local da fantasia, da ilusão. O cinema é o único local em que Cecília pode encontrar a felicidade, em contraponto à dureza de seu cotidiano. Ela busca na fantasia a ficção o conforto que não encontra em sua vida, na dificuldade do seu mundo real.

Nesta cena final, mais uma vez, temos a crítica de Woody Allen à indústria cultural. É que Cecília vai ao cinema no mesmo dia em que fora abandonada por Gil e assiste ao filme que substituiu, imediatamente, aquele em que Gil interpretava Tom e que havia dado problema.

Ou seja, a indústria cultural trata a arte como uma mera mercadoria, onde há, lembrando os ensinamentos de Pierre Bourdieu, uma autonomização progressiva do sistema de produção, circulação e consumo dos bens culturais, bens estes já tratados como meras mercadorias em que a produção dos bens simbólicos destina-se a um mercado consumidor, que possui demandas específicas.

Cecília, ávida consumidora de filmes, que busca na magia do cinema o conforto que não tem em sua vida real, é levada, pela indústria cultural, a consumir mais um filme, um bem que perde seu valor artístico em prol do seu valor comercial e visa a atender, exclusivamente, às necessidades da indústria do cinema, da indústria cultural.

Ficha técnica:

Título Original: The Purple Rose of Cairo
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 81 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1985
Estúdio:
Distribuição: Orion Pictures Corporation
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Produção: Robert Greenhut
Direção de Fotografia: Gordon Willis
Desenho de Produção: Stuart Wurtzel
Direção de Arte: W. Steven Graham e Edward Pisoni
Figurino: Jeffrey Kurland
Edição: Susan E. Morse


 Elenco
Mia Farrow (Cecilia)
Jeff Daniels (Tom Baxter / Gil Sheperd)
Danny Aiello (Monk)
Irving Metzman (Administrador do cinema)
Stephanie Farrow (Irmã da Cecilia)
Edward Herrmann (Henry)
John Wood (Jason)
Deborah Rush (Rita)
Van Johnson (Larry)
Zoe Caldwell (Condessa)
Eugene J. Anthony (Arturo)
Karen Akers (Kitty Haynes)
Annie Joe Edwards (Delilah)
Milo O'Shea (Padre Donnelly)
Camille Saviola (Olga)
Juliana Donald (Usherette)
Dianne Wiest (Emma)

3 comentários:

NeuzaCaminha disse...

Legal, Nino! Deu até vontade de assistir o filme! beijos

Ana disse...

Ótima resenha! Estou com vontade de assistir este filme há algum tempo e, como estou estudando Escola de Frankfurt, esse artigo me foi muito útil. Parabéns.

Emanuel disse...

Obrigado pelo comentário. Vale mesmo a pena assistir ao filme.