sábado, 10 de julho de 2010

PARA O ADIANTE


Ontem foi a missa de 7º dia do meu avõ.

Posto hoje mais um de seus textos.

Publicado originalmente no livro "Terra Molhada", 1984. Livro que conta com prefácio de Gilberto Freyre.

PARA O ADIANTE

Waldimir Maia Leite (24/12/1925 - 30/06/2010)

Cadeira nº 38 da Academia Pernambucana de Letras

Empurrando sempre para o adiante. Mas tudo voltando, como naquele canto terceiro (O Impossível da Alegoria) do belo poema de Marcus Accioly: “Sísifo”.

Levando para a frente os aconteceres: sempre para o nublado adiante. Virá depois a lembrança do Eclesiastes: “Todas as coisas são difíceis: o homem não as pode explicar com palavras”.

Não ficar: eis uma verdade que dói tão intensamente, e fere, quanto um incontornável gesto de despedida. Impermanência no agora: a necessidade, rubra de tão forte, de ir. Para o adiante que não se conhece, escondido sob a túnica do não ser.

Por que permanecer, se, logo adiante, nascerão os lábios da dúvida? Estes bocados do nada, coisa alguma tão vazia como um corpo de repente sem alma, apenas corpo, estrutura humana e animal.

Os passos ensaiados, adágio ma non tanto, e dolce, como um canto de Bach. Vão os passos para o adiante (a lembrança de um dia morrer, de forma súbita, sem ter conseguido a reconciliação com o que antigamente amou).

(A tarde pondo as mãos nos ombros da noite, como quem, angustiadamente, diz assim: “preciso tanto do teu apoio, mas tanto mesmo que o cansaço me cobre os olhos de inevitável tristeza”).

Empurrando o que não sabe para o adiante. Porém ele teimosamente retornando. Não fica; é prolongamento de ser daqui a pouco. Asperezas de choques de vida, os olhos úmidos de lágrimas, os claros cabelos em desalinho, o desespero de mãos que procuram outras, náufragos ambos na tempestade do existencial.

(Por que esta parte, isolada, separada da outra? Quem operou o brusco corte, com bisturi de fogo?).

Para o adiante, extensão de querer ser, constituir, permanecer. Em vão: de desespero é feito o instante tão rápido que mais parece uma estrela cadente que comete suicídio luminoso para espanto do cosmo.

(Estes dedos, cinco na mão direita, mais cinco na esquerda, duas flores expectantes que se abrem com as pétalas rosas das unhas).

Para o adiante, o inevitável prosseguir, pleno de incertezas, comboio correndo sem maquinista, amargo de ser som afastado do outro lado que a vida, mutuamente, nega. Não ficar, ir até o pedaço maior que compõe o que está por trás das coisas, iceberg das inconstâncias. (Quem duvida que o todo é maior do que uma de suas partes?).

Para o adiante, até um dia a surpresa do explosivo ato final de encher de espanto os olhos rotineiros do mundo.

Para a frente todos os aconteceres: sempre para o adiante. Não ficar, desesperadamente sair com quem se despede para nunca mais.

Nenhum comentário: