Diz o provérbio chinês que a “meia verdade é sempre uma mentira inteira”. Há até quem diga que, por induzirem maliciosamente ao erro, as “meias verdades são as piores das mentiras”. Afinal, conduzem os mais desatentos a acreditarem no discurso propagandeado e, por isso, torna-se uma “mentira inteira”. Ontem, teve eleições legislativas em Portugal. E as agências de notícias internacionais têm repercutido uma meia-verdade. Dizem as manchetes dos noticiários que a coalizão de direita - “Portugal à frente” - venceu as eleições. Mas, se pararmos para olhar atentamente aos números - destas eleições e compararmos com os resultados de 2011 - percebemos que, na realidade, a vitória da direita é uma derrota eleitoral do governo da austeridade e arrocho ao povo português. E constatamos que o grande vencedor do sufrágio português foi o Bloco de Esquerda, que mais do que dobra sua presença na Assembleia da República.
Comecemos pelos derrotados, mas que são vendidos ao mundo como vitoriosos do pleito eleitoral. É verdade que a coalizão “Portugal à frente” formada pelo PSD e CDS-PP obteve mais votos que seu principal concorrente, o PS. No total, com 99,23% das urnas apuradas, PSD/CDS-PP conquistaram 104 das 230 cadeiras da Assembleia da República, contra 85 deputados eleitos pelo PS. Vitória, portanto, da direita?! Sim e não.
As 104 cadeiras obtidas pelo PSD/CDS-PP ficam a 12 lugares da maioria absoluta (116), necessária para se governar em Portugal. Mais do que formarem um possível “governo minoritário”, os partidos de direita viram o eleitorado português lhes tirar 28 cadeiras. Em 2011, juntos, os dois somavam 132 deputados. O PSD, sozinho, havia eleito 108 deputados (ou seja, quatro a mais do que sua coalizão com o CDS-PP em 2015). Comparando com 2011, o PSD perdeu 22 cadeiras, enquanto o CDS-PP conquistou seis lugares a menos no Parlamento.
Não é por acaso que se tem massificado a ideia de que a direita venceu as eleições. Afinal, trata-se do governo que adotou, sem qualquer contestação, todas as exigências da política de austeridade impostas pela Alemanha de Angela Merkel (mas que aceitamos chamar de “União Europeia”). Governo este que fez com que a população portuguesa venha reduzindo, ano após anos, graças ao elevado número de emigrantes. Por sinal, em 2011 o Primeiro-Ministros Pedro Passos Coelho aconselhou os professores portugueses desempregados a emigrarem, em busca de ocupação em países de língua oficial portuguesa (citou até o Brasil). E não foi apenas o chefe do governo quem recomendou, membros do Executivo também endereçaram esta mensagem aos desempregados.
O resultado disto é que nos últimos quatro anos - período do governo de direita -, Portugal viu uma média mensal de 10 mil cidadãos deixarem o país em busca de emprego. Números que ajudaram o governo a maquiar os dados de índice de desemprego, celebrando de 12,4% contra 12,7% de 2011 como se fosse uma vitória das políticas de austeridade. O que os governantes não admitem é que aqueles que não optaram pela saída do país como opção de emprego, tiveram que se submeter a condições cada vez mais precárias, como os jovens que, mesmo depois de formados nas universidades, têm como única alternativa de trabalho os programas de estágios. Ou seja, não são desempregados na forma de lei, mas tampouco têm as garantias dos direitos trabalhistas, uma vez que não possuem contratos de trabalho.
Em que pese a maior abstenção da história (43,07% dos eleitores não foram votar), os portugueses que, apesar de todo o desânimo após anos de arrocho e perdas de direitos, fizeram questão de exercer seu direito cívico mandaram seu recado aos defensores da austeridade e da Troika. Tiraram do governo, que lhes tirou até mesmo a dignidade, 28 cadeiras na Assembleia da República. Foram 12,03% a menos de votos para a coalizão formada por PSD/CDS-PP, fazendo com que caíssem dos 50,37% (da soma de 2011) para 38,34%.
E o CDS-PP sai menor destas eleições. Comparando com a Inglaterra, em que o LibDem pagou caríssimo pela coalização com os Conservadores, o PP não pagou tanto, mas se viu encolhido após quatro anos de governo com o PSD.
Porém, o que vemos é a venda da imagem de vitória da direita. E não é sem propósito. É necessário se propagandear - ou seja, fabricar o consentimento junto ao público - que os portugueses não rejeitaram as políticas de austeridades que lhes foram impostas goela abaixo. Pelo contrário, até deram a maioria à coalização de adota, com muito prazer, essa lógica excludente, que privilegia especuladores financeiros e mantém intacta a saúde financeira dos grandes bancos, que tanto prejudicaram milhões de cidadãos.
A VITÓRIA DO BLOCO DE ESQUERDA
De todos os partidos, o grande e real vencedor foi o Bloco de Esquerda. Liderados por Catarina Martins, os bloquistas mantiveram firmes o discurso antiausteridade. Defenderam uma reforma fiscal, com taxação das grandes fortunas, das PPPs, do lucro da EDP e dos mercados financeiros para promover uma distribuição mais solidária e menos desigual entre todos os portugueses, invertendo, portanto, a lógica excludente da austeridade, que privilegia os poucos que têm mais. Sustentaram, ainda, a necessidade da reestruturação da dívida pública portuguesa.
Com este discurso à esquerda e seu claro posicionamento à austeridade, o Bloco de Esquerda conseguiu os melhores resultados de sua história. E se antes lutava para se tornar a quarta força política em Portugal, as eleições de 2015 deixa o partido como a terceira força no Parlamento. Passando de apenas 8 deputados (5,17% dos votos) para 19 cadeiras (10,22%) dos votos. Colocando-se, portanto, à frente dos governistas do CDS-PP (18) e da CDU (coalizão eleitoral formada pelo PCP e PEV).
E AGORA?
Se o presidente da República, Cavaco Silva, mantiver sua palavra, a coalização de direita não formará governo. Isso porque, em julho, quando convocou as eleições legislativas, o chefe de estado português declarou que não daria posse a um governo minoritário. É o caso que se verifica ao fim do sufrágio de ontem. Alegando que não cometeria o mesmo erro de 2009, quando deu posse ao governo minoritário do PS de José Sócrates, que não durou sequer um ano e meio, com o pedido de demissão do governo em março de 2011. Cavaco Silva exigiu um Executivo "sólido, estável e duradouro", que "disponha de apoio maioritário e consistente na Assembleia da República". Não é o resultado do desejo do povo português, portanto.
Restam, então algumas alternativas. A primeira seria Cavaco Silva se contradizer e dar posse ao governo minoritário. Para isso, entretanto, a coalizão de direita do PSD/CDS-PP teria que contar com votos do PS para aprovar o orçamento de estado, em nome da “estabilidade do país”. O que não é improvável neste momento. Mas, este governo minoritário, teria muita dificuldade para chegar ao fim do mandato.
Outra opção seria um governo de esquerda. Com o PS - hoje tomado pelo social-liberalismo, mais até do que pela social-democracia - tendo que se voltar para a esquerda e chegar a um denominador comum de políticas antiausteridade com o Bloco de Esquerda e o PCP. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, já se colocou à disposição para o diálogo visando à formação de uma coalizão de esquerda.
Juntos, PS e Bloco de Esquerda teriam 104 mandatos. Ou seja, insuficiente para governar. O PS teria, então, que chegar a um acordo com o PCP. Historicamente, ao contrário do que o senso comum leva a crer, partidos comunistas e socialistas têm se colocado em campos distintos da luta operária e política. Isto porque os socialistas, que apesar do nome têm uma tradição social-democrata, sempre apresentaram uma tendência reformista, rejeitada em essência pelos comunistas.
Em Portugal, PCP e PS já caminharam juntos. Porém, neste momento, há uma incompatibilidade. E a principal delas é que o PCP defende a saída do Euro, enquanto o PS (e até mesmo o Bloco de Esquerda) têm entendimento diferente. O líder comunista já declarou que “não precisamos de favores para ir para o governo, não precisamos de acordos que não se baseiam numa política alternativa, patriótica e de esquerda”, colocando, portanto, no PS a responsabilidade pela viabilidade da grande coalizão de esquerda. Juntos, os três partidos teriam 121 deputados (cinco a mais do que os 116 necessários para a maioria absoluta).
Por fim, a terceira opção. Caso não haja a coalizão de esquerda e se Cavaco Silva mantivesse sua palavra, o presidente português convocaria novas eleições legislativas.
QUADRO COMPARATIVO - 2011 x 2015
Eleições 2011
Partido Mandatos Percentual
PSD 108 38,66%
PS 74 28,05%
CDS-PP 24 11,71%
CDU (PCP-PEV) 16 7,9%
Bloco de Esquerda 8 5,17%
Eleições 2015
Partido Mandatos Percentual
PSD + CDS-PP 104 38,44% -28*
PS 85 33,28% +11
Bloco de Esquerda 19 10,22% +11
CDU (PCP + PEV) 17 8,27% +1
*Coalizão “Portugal à frente”
Partido Mandatos Diferença
PSD 86 - 22
CDS-PP 18 -6
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