sábado, 20 de novembro de 2010

Futebol: direitos televisivos e a distribuição destes recursos – Brasil, Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha


Recentemente li um artigo de Santiago Segurola, diretor adjunto do jornal desportivo espanhol Marca e que escreve no Diário de Notícias (Portugal) sobre a Liga Espanhola de futebol, no qual abordava a questão dos direitos televisivos de La Liga.

O artigo logo em seu título demonstra a preocupação do autor com a atual forma como são tratados os direitos televisivos na Espanha – “Liga espanhola está condenada à destruição” (http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1700710&seccao=Santiago%20Segurola).

Este assunto (comercialização dos direitos televisivos e a distribuição dos recursos advindos destes contratos) muito me interessa. Não por acaso, na altura da conclusão do curso de Bacharelado em Direito, Universidade Católica de Pernambuco, eu me dediquei ao estudo da realidade brasileira, com foco no “Brasileirão”, culminando com a monografia intitulada “A divisão das cotas de televisão do campeonato brasileiro de futebol à luz do princípio da igualdade”.

Tanto na minha monografia, como em um artigo publicado e apresentado no IV Salesius, evento organizado pela Faculdade Salesiana do Nordeste (uma adaptação do artigo pode ser conferida em http://emanuel-junior.blogspot.com/2009/05/as-cotas-de-tv-do-brasileirao-e-o.html), eu fiz uma comparação entre a realidade do futebol brasileiro e as 3 maiores ligas em faturamento da Europa – Premier League (Inglaterra), Serie A (Itália) e Bundesliga (Alemanha).

Você pode perguntar – por qual motivo La Liga (Espanha) ficou de fora do seu estudo?

A resposta é simples: as negociações na Espanha são individuais e não coletivas, como acontece no Brasil e nas outras três grandes ligas europeias. Já que eu iria analisar a injusta e excludente divisão dos recursos no futebol brasileiro, eu procurei usar como parâmetro as ligas europeias que tivessem sistemas de negociação semelhantes ao nosso.

São exatamente essas negociações individuais que preocupam Santiago Segurola, na medida em que o jornalista espanhol demonstra atenção e cuidado para algo tão importante no desporto, mas que, nestes dias de futebol-negócio, ficou um pouco esquecida – a competitividade.

Na Espanha, Real Madrid e Barcelona, segundo Santiago Segurola, cobram 120 milhões de euros pelos seus contratos com a empresa Mediapro. O terceiro colocado neste ranking é o Valencia, que recebe 44 milhões de euros – isso mesmo, praticamente 3 vezes menos que a dupla de ferro. Logo em seguida vem o Atlético de Madrid, com 42 milhões de euros. Clubes tradicionais como Athletic Bilbao e Sevilha recebem cerca de 20 milhões de euros – ou seja, 6 vezes menos que os principais clubes do país. Estes contratos durarão até 2015.

Não por acaso, nos últimos 15 anos, apenas em 4 ocasiões o campeão espanhol não foi Real Madrid ou Barcelona – Atlético de Madrid (1995/96), Deportivo La Coruña (1999/2000), Valencia (2001/02, 2003/04).

Nos últimos seis campeonatos, o título ficou dividido entre Barcelona (4 vezes) e Real Madrid (2). Neste mesmo período, apenas uma vez a dupla de ferro não ficou com as duas primeiras colocações – foi em 2007/08, com o Villareal sendo vice-campeão, perdendo o título para o Real Madrir; o Barcelona ficou em 3º.

Em 2009/10, o Barcelona foi campeão com 99 pontos dos 114 disputados; ficou 3 pontos à frente do Real Madrid, com 96. Pode-se dizer que as duas vitórias no confronto direto foi determinante para o título blaugrana.

Na atual temporada, assiste-se a mais uma disputa bipolarizada entre Real Madrid e Barcelona pelo título, ambos disparando nos dois primeiros lugares da competição, relegando aos demais clubes a briga pelas 3ª e 4ª colocações, que concedem vagas na Champions League.

Portanto, o que se evidencia é que La Liga – autodenominada “a liga das estrelas” – poderia muito bem se resumir a dois jogos: Barcelona x Real Madrid, no Camp Nou; Real Madrid x Barcelona, no Santiago Bernabéu.

Não restam dúvidas de que isso é fruto da imensa desigualdade na negociação dos direitos televisivos.

Como é que, por exemplo, o tradicional Athletic Bilbao, 8 vezes campeão espanhol, 24 vezes campeão da Copa do Rei e que nunca foi rebaixado à segunda divisão espanhola (sobre o Athletic Bilbao - http://emanuel-junior.blogspot.com/2009/07/athletic-bilbao-o-icone-de-um-povo.html), poderá ser competitivo se recebe seis vezes menos que os outros dois clubes que também nunca desceram de divisão, Real Madrid e Barcelona (20 milhões vs. 120 milhões)? É impossível! O último título nacional dos bascos foi em 1983/84, ano glorioso em que conquistou o bicampeonato espanhol e o doblete (Liga e Copa do Rei). Lá se vão quase 27 anos.

Da mesma forma, a balança do derby madrileno estará sempre desequilibrada para o lado branco – afinal, como é que o Atlético de Madrid poderá competir com seu rival se recebe três vezes menos que ele (42 milhões vs. 120 milhões)? Salvo vitórias pontuais, é impossível ao Atlético se opor ao rival de forma efetiva – não à toa, há 15 anos que os colchoneros não são campeões espanhóis.

Na Itália, desde 1999 os clubes eram livres para negociar os direitos de televisão individualmente (da mesma forma como é na Espanha). Entretanto, esta liberdade já tem data para terminar: temporada 2010/11.

Preocupado com o desequilíbrio orçamentário entre os clubes da Serie A, o Ministério do Esporte italiano determinou que as cotas de televisão voltassem a ser negociadas coletivamente.

Em janeiro de 2007, a autoridade antitruste da Itália recomendou, em um relatório de 170 páginas, que o sistema de negociação coletiva fosse utilizado novamente para garantir mais competitividade.

Ou seja, assim como acontece atualmente na Espanha, havia um desequilíbrio para o lado dos grandes clubes italianos – Inter, Milan e Juventus. Ao negociarem os seus direitos individualmente, estes três acabavam por concentrar grande parte dos recursos, prejudicando, assim, os demais clubes da Serie A e, por conseguinte, a competitividade.

Foi necessária uma intervenção estatal, via Ministério do Esporte, para que se procurasse um modelo de negociação coletiva com regras estabelecidas para uma divisão mais equânime destes recursos, que passará a ser da seguinte forma:

1. 40%: dividido igualmente entre todos.

2. 30%: de acordo com o desempenho no campeonato anterior (mérito desportivo).

3. 30%: baseado no tamanho da torcida.

Na Premier League (Inglaterra), liga de futebol de maior faturamento no Mundo, a negociação é coletiva e a divisão também é dividida em três partes:

1. 56% divididos igualitariamente entre todos os clubes.

2. 22% baseados na classificação final da temporada anterior.

3. 22% variáveis de acordo com o número de jogos transmitidos na televisão.

Esse modelo permitiu, por exemplo, que o Manchester United, campeão em 2008/09, tenha recebido 66 milhões de euros, enquanto que o Middlesbrough, penúltimo colocado, tenha encaixado 40 milhões (praticamente o mesmo valor que receberam os espanhóis Valencia e Atlético de Madrid).

Na Alemanha a negociação já é coletiva e a divisão é feita de modo quase que de igualdade absoluta. Fato que gera críticas por parte do todo poderoso Bayern de Munique, que se sente prejudicado diante de seus adversários europeus na Champions League.

Chegando à realidade brasileira, podemos afirmar que as negociações são coletivas (os direitos televisivos são vendidos de forma integral – o campeonato como um todo), porém a distribuição dos recursos não segue o modelo inglês e o futuro modelo italiano, que respeitam a Isonomia e, consequentemente, buscam uma divisão o equânime, através de critérios racionais pré-estabelecidos.

O que ocorre no Brasil é a concentração dos recursos nas mãos de uma entidade privada – Clube dos Treze – que distribui o dinheiro de acordo com os seus interesses próprios, dando primazia aos seus filiados, criando, inclusive, dentre os seus próprios filiados grupos distintos (como se fossem castas).

O Clube dos Treze é o responsável pelas negociações dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro. Bem como é o Clube dos Treze que divide e distribui os recursos provenientes dessas negociações.

Ao repartir os recursos entre os clubes participantes do campeonato brasileiro, o Clube dos Treze age sem critérios de equidade, priorizando os seus associados em detrimento das demais associações esportivas as quais não fazem parte de seu seleto grupo.

Atualmente as chamadas “cotas de televisão” estão distribuídas de acordo com os seguintes grupos (valores referentes à cota fixa de televisão aberta:

Grupo I: R$21 milhões – São Paulo, Flamengo, Corinthians, Palmeiras e Vasco.

Grupo II: R$18 milhões – Santos.

Grupo III: R$15 milhões – Atlético-MG, Cruzeiro, Internacional, Grêmio, Botafogo e Fluminense.

Grupo IV: R$11 milhões – Goiás, Guarani, Vitória, Atlético-PR.

Grupo V: R$5,5 milhões – Sport, Coritiba*.

Grupo VI: R$3,45 milhões – Bahia, Portuguesa**.

Grupo VII: “Convidados” – Avaí, Grêmio Prudente, Ceará, Atlético-GO***

*Sport e Coritiba, por estarem na Série B em 2009, recebem 50% do valor. Por isso ambos tiveram direito a R$5,5 milhões.

**Bahia e Portuguesa, por estarem na Série B há mais tempo, recebem uma cota menor.

***Como de costume, os clubes “excluídos” têm que negociar individualmente a sua migalha na divisão do bolo:

Ceará – R$6,4 milhões

Atlético-GO – R$3,4 milhões

Grêmio Prudente – R$3,4 milhões

Avaí – R$6 milhões

A situação brasileira em muito se assemelha a uma oligarquia, sistema de governo que contraria diametralmente a democracia, na medida em que cria um seleto grupo de privilegiados.

Foi a esta realidade que, em analogia ao que Cristovam Buarque denomina de “apartheid social”, conclui que o futebol brasileiro vive um “apartheid futebolístico”: a segmentação entre clubes “incluídos” e “excluídos”, contribuindo para o engessamento da mobilidade entre os clubes, com a tendência de os “grandes” se tornarem sempre maiores e os “pequenos” se tornarem, gradativamente, menores; ficando condenados à marginalidade do futebol nacional. É o fosso intransponível separador de “incluídos” e “excluídos”.

No Brasil, ao contrário da Espanha em que o fosso é cavado por conta das negociações individuais, o abismo que separa um grupo de privilegiados de todos os outros clubes nacionais é a injusta divisão dos recursos dos direitos televisivos.

Se as negociações são coletivas, como na Inglaterra, Itália ou Alemanha, deveria haver uma divisão mais justa, que respeitasse critérios racionais e razoáveis, como nos casos inglês e italiano.

Contudo, embora os modelos de negociações seja diferentes (Brasil – coletivo; Espanha – individual), há algo em comum: o fosso que separa os grupos privilegiados (C13 – Brasil; Real Madrid e Barcelona – Espanha) gera um desequilíbrio intransponível, matando por completo a competitividade, aquilo que é a essência do esporte.

Se na Espanha (por conta das negociações individuais) é extremamente complicado um clube se opor à dupla Real Madrid e Barcelona, no Brasil é impossível um clube “excluído” poder competir contra clubes “incluídos”, principalmente aqueles da “alta casta” do Clube dos Treze, os que recebem mais dinheiro do que seus próprios consórcios.

Em 2010, no Campeonato Brasileiro da Série A, 16 dos 20 participantes são membros do Clube dos Treze (“incluídos”) e 4 são “excluídos”. Na Série B os números se invertem – 16 “excluídos” e 4 “incluídos”.

Com o modelo atual de divisão das cotas e com o privilégio dado aos membros do Clube dos Treze que, mesmo na Série B, recebem um percentual do que receberiam se estivessem na Série A, não é de se estranhar que:

1. Dos 4 “excluídos”, apenas o Ceará garantiu permanência na Série A 2011.

2. 2 “excluídos” se encontram na zona de rebaixamento para a Série B 2011.

3. Dos 3 clubes da Série B que já garantiram o acesso à Série A 2011, 2 são “incluídos” (Coritiba e Bahia).

4. Os outros 2 “incluídos” da Série B ainda estão na briga pela última vaga de acesso à Série A (Sport e Portuguesa).

Os números falam por si e posso afirmar que enquanto na Espanha houver negociações individuais, Real Madrid e Barcelona continuarão a bipolarizar a liga nacional e, com o passar do tempo, aumentarão ainda mais a distância que os separa dos outros clubes.

Em relação ao Brasil, enquanto uma associação privada, que defende os interesses de seus associados, continuar a negociar aquilo que não lhe pertence (direitos de imagem dos clubes que não são associados ao C13 e participam da Série A) e a dividir os recursos de forma indiscriminada e sem regulamentação, a tendência inevitável é do aprofundamento do “apartheid futebolístico”, ampliando a exclusão de todos os clubes nacionais em detrimento de um grupo de 20 clubes.

7 comentários:

Anônimo disse...

apesar de achar o "mata-mata" mais emocionante, do ponto de vista organizacional a utilização dos pontos corridos é a melhor saida.

beijos lindinho!!!

Unknown disse...

Excelente texto. Mais um motivo pra eu gostar desse racha do C13. É óbvio que as coisas não vão melhorar com o racha, mas pelo menos os times que estiverem jogando bem tem mais chance de negociar melhor seus direitos de imagem.

Emanuel disse...

Obrigado pelo comentário.

Acompanho atentamente toda esta novela do racha do Clube dos Treze.

Espero que a realidade do futebol brasileiro comece a mudar, contudo acho improvável que venha a acontecer...

Unknown disse...

Olá, sou pesquisador na área de comunicação e estou fazendo um artigo sobre a briga entre Globo e Record pelos direitos do Brasileirão. A sua monografia sobre o tema pode ajudar bastante na minhs monografia, pois contem dados importantes. Você poderia me ceder uma cópia por e-mail?

Emanuel disse...

Olá, Carlos

A monografia é de 2008, portanto, está desatualizada em relação à recente discussão em torno do não cumprimento do acordo com o Cade.

Pretendo atualizar o trabalho, já comentando as confusões entre Clube dos 13/Cade x CBF/Globo.

De qualquer modo, a monografia pode servir como suporte ao fundamento teórico.

Envio o trabalho para qual endereço eletrônico?

Agradeço o interesse.

Abraço

Unknown disse...

O meu e-mail é carlospfs@gmail.com. Obrigado pela atenção. Continue pesquisando o tema, pois dá uma boa dissertação.

Obrigadão

Roberto Rabello disse...

Prezado Emanuel. Meu nome é Roberto e achei excelente o seu trabalho. Trabalho na Câmara dos Deputados e estou fazendo estudos para a elaboração de um projeto de lei que discipline essa questão do desequilíbrio que há na distribuição dos recursos dos direitos televisivos entre os clubes de futebol. Você por acaso teria algum estudo mais atualizado? Se tiver, poderia nos enviar? Seria importante para nos ajudar a estruturar a justificativa do projeto. Estamos pensando em acrescentar um parágrafo ao artigo 42 da Lei 9615/98 a fim de que na distribuição dos rendimentos da comercialização dos direitos de arena, o valor da maior cota não poderá exceder o dobro do valor da menor cota. O que você acha? Meu email é rabello.r@gmail.com. Muito Obrigado.