A Escola de Frankfurt e a Indústria Cultural
Escola de Frankfurt foi o nome dado ao grupo de pensadores, filósofos e cientistas sociais alemães que se dedicaram aos estudos de variados temas que compreendiam desde os processos civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica (ou tecnologia) até a política, a arte, a música, a literatura e o cotidiano. Dentro desses temas, chamaram à atenção para a extrema importância da mídia (meios de comunicação) como fomentador da cultura de mercado e formadora do modo de vida contemporâneo. Dentre os grandes pensadores desta Escola, podemos citar Theodor Adorno, Max Horkheimer, Hebert Marcuse, Erich Fromm e Walter Benjamin. Destacamos os dois primeiros, Adorno e Horkheimer, criadores de um conceito base para os estudos culturais: a indústria cultural.
Adorno e Horkheimer no livro Dialética do Iluminismo apontaram um novo conceito com relação à cultura e a massificação da cultura. Na visão deles a “cultura para a massa” não passava de uma simples industrialização da cultura, ou seja, haveria o uso da racionalidade técnica (a tecnologia) a serviço da dominação ideológica. Apontavam, assim, o conceito de Indústria Cultural, que seria, portanto, um mecanismo de massificação da opinião, dos gostos e da necessidade de consumo. Na Indústria Cultural tudo passa a ser um produto de mercado (inclusive o ser humano [reificação, a coisificação do homem]), a verdadeira preocupação não é transmitir informações ou conhecimento, mas sim vender, cada vez mais, produtos e idéias homogeneizadas, a fim de se obter o lucro acima de (quase) tudo.
A cultura sob as regras da Indústria Cultural passa a ser apenas mercadoria, um produto a ser vendido e explorado comercialmente. A arte, a música, a literatura se transformam em meros produtos com o objetivo de serem difundidos comercialmente e vendidos como se fossem um pacote de feijão em uma prateleira de supermercado. Perde-se o valor e a essência da criação cultural, isto não é o mais importante. O que realmente importa é enlatar, rotular e vender o "produto" em um grande centro de compras.
Dentro da Indústria Cultural, para que o mercado atinja o seu principal objetivo (o lucro), existe uma peça fundamental a ser explorada: a alienação do povo. É da alienação que se aproveita a Industria Cultural para massificar os seus produtos. Ao massificar e homogeneizar gostos e necessidades de consumo, o mercado aprofunda a alienação, ao alimentar-se e alimentá-la em uma troca bilateral e mútua. A passividade e o conformismo são frutos desta alienação.
Como diz o professor Francisco Rüdiger, os pensadores frankfurtianos criticavam a cultura de massa não porque ela é popular, mas sim porque esta cultura mantém as marcas da exploração e da dominação das massas, fato que ocorre desde as origens da história. E, como também diz o citado professor, os frankfurtianos não criticavam a tecnologia nem os avanços tecnológicos, mas sim o seu emprego, ou seja, os objetivos por trás da utilização das novas tecnologias. Podemos afirmar, então, que a Indústria Cultural é opressora, determina até onde vai o livre arbítrio do indivíduo ao submetê-lo à dominação ideológica que coloca frente a frente: classes dominantes > classes populares. A cultura de massa é marca da imposição e exploração da dominação de classes.
A Música e as Gravadoras na Indústria Cultural
Walter Benjamin apontou, em A Obra de Arte na Era de Suas Técnicas de Reprodução, para a perda da aura da obra de arte. Para Benjamin as tecnologias que permitiram a fácil reprodutibilidade das obras de arte fizeram com que estas perdessem sua aura de serem exclusivas e únicas. A música, que já no século XX, tornou-se mais uma mercadoria a ser reproduzida e vendida em larga escala, também perdeu a sua aura e, de certa forma, a sua essência.
"Na medida em que multiplicam a reprodução, substituem a existência única da obra por uma existência serial", afirmou Benjamin na supracitada obra. Quem nunca reparou que o CDs de música contêm um código de série? Ao se comprar um CD a pessoa está adquirindo um produto em série. E o código de série (que pode conter letras e números) serve de controle para o dono da loja e, especialmente, para a gravadora que lançou o CD no "mercado", que tem o grande cuidado em controlar as vendas e saber os números do "mercado fonográfico". Em 1935 Walter Benjamin apontava para esta realidade, a reprodução em série das obras de arte e a sua relação com a indústria.
Benjamin acreditava no poder de democratização da cultura e do conhecimento , ele via como positivo o controle da cultura por parte das massas. Adorno, por sua vez, não negava o potencial democrático da tecnologia empregada a serviço da cultura, porém sua análise crítica sempre apontou para o indevido uso das técnicas, que rumavam no sentido inverso àquele que Benjamin acreditava ser possível.
Para Adorno não haveria a democratização da cultura porque simplesmente essa democratização não servia aos interesses dos capitalistas (aí inseridas as corporações do entretenimento, nas quais as gravadoras). A Indústria Cultural como meio de controle das massas não permitiria que as massas assumissem o controle da cultura, idéia na qual acreditava Benjamin.
As gravadoras são as empresas que controlam o sistema do mercado da música. São as gravadoras, entidades privadas e com o objetivo de lucro, que se utilizam e se beneficiam do poder da reprodução em série e da difusão massiva da música. Como uma empresa, a gravadora faz parte das corporações do entretenimento, que têm como objetivo tirar proveito comercial do "seu produto". O músico/artista se torna dependente da gravadora para poder mostrar a sua obra, o seu trabalho; a população (que é o público alvo, o indivíduo massa) se torna refém e alvo das campanhas publicitárias e da difusão em massa daquilo que interessa às gravadoras, o que, em uma perspectiva de mercado de larga escala, quase sempre não é sinônimo de qualidade musical.
A publicidade é uma das formas através das quais as gravadoras exercem a manipulação da opinião e dos gostos, a massificação dos produtos. A publicidade nada mais é que o instrumento através do qual se atinge o público alvo, o consumidor; é através do seu poder de persuasão que se estabelece a massificação. A persuasão é a principal arma para se atingir o conformismo e se diluir a consciência. O Rádio, a TV e a imprensa escrita com a divulgação e a veiculação de um determinado "produto" também são preponderantes no processo de manipulação da opinião e na indução ao consumo.
A Música e os seus rótulos
Para se obter boas vendas e um bom retorno no mercado é necessário que se tenha claro qual o público a ser atingido. As gravadoras fazem suas pesquisas e análises de campo para estudarem o mercado. Para se vender bem é preciso saber a quem vender. E para isso é preciso enlatar e rotular a música, para que ela seja colocada na prateleira certa a fim de atingir diretamente e eficazmente o seu consumidor.
Em relação ao mercado do Heavy Metal, temos os "rótulos". Os vários e incontáveis sub-gêneros de Heavy Metal que podem ser encontrados. Para as gravadoras é muito mais interessante dividir em sub-gêneros e rotular um determinado trabalho musical para colocá-lo em uma prateleira, pois desta forma as vendas certamente são facilitadas e as propagandas mais eficazes. Para a indústria não existe o cidadão, nem o ser humano, o que existe é um público alvo, um mero consumidor, um indivíduo massa a ser induzido ao consumo, a gastar dinheiro e alimentar a Indústria e o mercado. E os rótulos são facilitadores da indução ao consumo.
Qual fã de Heavy Metal nunca se deparou diante de uma discussão quase interminável sobre a determinação do "estilo" de uma certa banda? Para dar um exemplo, quem nunca parou para explicar, ou tentar entender, as diferenças entre o Death Metal, Technical Death Metal, Brutal Death Metal, Melodic Death Metal, Black/Death Metal, Blackened Death Metal, Death/Thrash Metal, Doom/Death Metal... Ufa! Quem não conhece pessoas que se deixam levar pelos rótulos ao invés de se preocuparem exclusivamente em ouvir a música? Quem não procura em revistas ou na internet informações sobre bandas e se preocupam sempre em saber qual o "estilo" da tal banda? Qual banda iniciante que, antes mesmo de fazer o seu primeiro show, não define qual o "sub-gênero" em que pretende ser inserida? São os rótulos... E nós somos o indivíduo massa que se deixa levar pelos interesses das gravadoras e todas as empresas envolvidas e interessadas na indústria do Heavy Metal (que, acreditem, é rentável e movimenta milhões de dólares anualmente em todo o planeta).
Existe banda "comercial" ou banda "vendida"?
Honestamente, qual é a banda (que pretende se levar à sério) que dedica tempo e gasta dinheiro em ensaios, instrumentos, etc., para apenas ficar na garagem de casa ou no estúdio do bairro? Qual a banda que se propõe a tocar em um show, gravar o seu CD-demo se não é para divulgar o seu trabalho? Qual integrante de banda não tem o interesse de um dia assinar com uma gravadora e lançar o seu álbum?
A banda que não pretende nada do que está exposto no parágrafo acima, pode se considerar "não-comercial" e "não-vendida". Todas as outras... Bem-vindas ao mercado, ao comércio e às vendas. São todos uns vendidos e comerciais. Seja em larga escala (milhares e milhões de cópias vendidas) ou em pequena escala (dezenas ou centenas de cópias vendidas). A música posta à venda, está no comércio, logo é comercial.
Contudo, é evidente que não podemos comparar uma banda que apenas pretende divulgar o seu trabalho (e o vender, claro) com outra que é instrumento da indústria fonográfica para vender de forma massificada. É como se Adorno negasse a importância da tecnologia, o que não era o caso. Ele apenas criticava o emprego da tecnologia. O mesmo se aplica às bandas que estão no mercado, no comércio. Brincadeiras à parte, as bandas "comerciais", em um sentido amplo são aquelas bandas que surgem como produto das gravadoras ou se tornam produtos das gravadoras (em determinado momento de suas carreiras) a serviço da massificação dos gostos e opiniões, são as bandas "pop", que no Heavy Metal também existem. Quem vai negar o perfil "pop" de uma banda como o Metallica ou o Iron Maiden? É evidente que eles fazem músicas e lançam CDs pensando acima de tudo no mercado consumidor, até por exigência de suas gravadoras, que investem muito em todo o processo que vai da gravação até a venda e a divulgação dos álbuns.
Ou seja, em sentido mais restrito, todas as bandas são comerciais a partir do momento em que se colocam no mercado (comércio), mas em um sentido mais amplo, a banda "comercial" seria aquela que se preocupa acima de tudo com o mercado e não obrigatoriamente com a qualidade da sua obra, uma vez que na Indústria Cultural sucesso comercial não pressupõe qualidade artística ou musical.
MP3 e internet: a democratização da música?
Como já foi mencionado, Walter Benjamin acreditava no potencial da democratização da cultura e do conhecimento, desde que o controle estivesse sob o comando das massas. Adorno se opunha a esta idéia, não por negar o potencial da tecnologia em democratizar a cultura, mas por não acreditar que as empresas envolvidas na indústria cultural pemitissem esta democratização.
E o que seria a tecnologia do mp3 e o compartilhamento de músicas através da internet? É inquestionável o poder revolucionário do mp3 e do compartilhamento de músicas através da internet. Certamente Walter Benjamin ficaria muito contente ao ver o uso desta tecnologia a serviço do controle das obras culturais por parte das massas. Não há nada mais democrático do que dividir e partilhar uma música com milhões de pessoas através da grande rede mundial de computadores.
Contudo, o combate das gravadoras aos mp3 e aos usuários que compartilham música através da internet é incansável! As empresas do mercado fonográfico não se deixam abater e mantêm uma luta ininterrupta que já leva anos contra usuários, tentando criminalizar aqueles que dividem e partilham músicas através da internet. E não é que Adorno tinha razão em sua crítica?! As grandes empresas não dão descanso às massas e não querem perder o controle da cultura.
Benjamin estava certo ao acreditar na democratização da cultura através do controle das massas sobre a mesma. Porém Adorno em seu ácido realismo estava ainda mais certo: enquanto houver esta relação de poder e este sistema de mercado, as empresas jamais permitirão que as massas se libertem das amarras do controle da indústria cultural.
sábado, 8 de setembro de 2007
A Escola de Frankfurt e a Indústria Cultural
Mais uma matéria que escrevi para o Novo Metal. Agora compartilho com vocês aqui no Blog.
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10 comentários:
muito bom como sempre....
começo a achar que você não só nasceu para jornalismo como sem sombra você já é um dos melhores jornalista que conheço...sua opnião é crítia,clara,explicativa,e por que não dizer massificante?
massificante não no sentido que você abomina...mas é uma opnião tão correta que todos deveriam ter o privilégio de conseguir enxergar o mesmo que você...
arrasou xafadinhu....te amo!
p.s.tudo que realmente presta não pode estar à venda
Enquanto a ciência se desenvolve o homem desdesenvolve!
O texto é antigo mas excelente! Parabéns!!
Obrigado, Thiago!
Olá Emanuel! Tem muita qualidade no seu texto e se você me permitir, eu gostaria de fazer uma citação de parte dele no meu trabalho de mestrado. Não consegui encontrar o seu nome completo para creditar em referencias. Se você puder me passar eu agradeço. ivaldomusico@gmail.com. Abraços e parabéns!
Muito bom! Parabéns Emanuel.
Usarei seu texto em minhas aulas e é claro referenciando devidamente.
Amei
Texto muito esclarecedor e excelente!!!
Ótimo texto, parabéns!
Adorei os exemplos.
Agora, existe muita coisa de qualidade na indústria cultural. Adorno generalizou erroneamente a indústria como sem qualidade artística. Vou dar exemplos de cantores e bandas que tinham qualidade artística e se preocupavam a fundo com sua música.
Frank Sinatra. Foi o melhor cantor da história, amava música de paixão e a qualidade era sempre uma obssessão em seus discos.
Elvis Presley. Rei do rock.
Beatles.
Aretha Franklin.
Ella Fitzgerald.
Prince.
Stevie Wonder.
Led Zeppelin. Aliás, a banda tinha uma postura de lançar seus discos sem nome e chegou a lançar seu quarto álbum sem ter sequer o nome da banda na capa ou imagens dos integrantes, algo que muitos criticaram como suicídio comercial, a banda respondeu essa críticas dizendo que com essas decisões queria que o público comprasse o disco pela música do álbum e nada mais e que tinham plena confiança que o público reconheceria a música de qualidade deles. Disseram também que a única coisa relevante para eles em seus discos era fazer boa música e que eles sabiam que tinham um público que sabia reconhecer isso. Esse quarto álbum do Led Zeppelin foi um sucesso de vendas e é considerado um dos melhores discos da história.
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